quarta-feira, 28 de abril de 2010

The Antlers - Hospice

Uma estória com princípio, meio e fim.


Hospice, além de se ouvir, lê-se. Ou conta-se. A perspectiva aqui pouco importa. Foquemo-nos antes na ilustração que o primeiro disco dos The Antlers, banda de Brooklyn, nos proporciona. Aqui, uma obra conceptual vai emergindo, a cada segundo que passa, após o mote proposto por “Prologue”, em que tonalidades obscuras ecoam, para que em “Kettering”, segunda faixa do alinhamento, um piano surja em modo apaziguador. A voz de Peter Silberman, a provar o domínio óbvio do falsete, vai contando a estória do homem que se apaixona por um ser moribundo, caminhando a par e passo para um desfecho inevitável. O crescendo e respectiva chegada ao clímax parecem-nos inevitáveis, já com bateria, guitarra e, novamente, ecos à mistura, concluindo suavemente após a explosão indie rock, marco da raiva que vai na cabeça do mentor dos nova-iorquinos.

Há quem faça música porque sim. Silberman não parece encaixar nesse perfil, sobretudo tendo em conta a elaboração minuciosa do guião que nos faz querer acompanhar uma estória com esta carga emocional. “Sylvia”, que poderá ser a musa cancerígena, é o motivo maior do desespero expelido a pulmões abertos, sonoridade de marca deHospice. Aqui crê-se no analógico. Isso ajuda a tornar os acordes mais arrepiantes, apesar de não nos sugerirem outra coisa para além de melancolia ou angústia. Mas pelo menos estamos perante algo genuíno, sem pré-fabricados dissimulados.

Apesar de ser um disco desesperante, não é uma obra negra. Há progressões harmónicas que quase por momentos indiciam um desfecho sombrio, mas uma resolução em modo maior ajuda a afastar o nevoeiro que ameaçava impor-se. É antes um conjunto de canções fúnebres, uma formulação moderna das intenções do requiem. Altera-se a moldura mas o que nos leva a folhear esta música é o mesmo que motivava Mozart a pegar na pena e a desenhar colcheias, mínimas, pausas – é bem mais que isto, mas nunca esqueçam a intenção.

“Bear” apresenta-se enquanto lufada de ar fresco do álbum, mas apenas nos tons. As palavras, essas, seguem desesperantes: “We're terrified of one another/ And terrified of what that means/ But we'll make only quick decisions/ And you'll just keep my in the waiting room/ And all the while I'll know we're fucked”. Silberman enfrascou-se em dramalhões choramingas e dos finais mais dramáticos possíveis e imaginários. Mas se isso foi condição para criar uma obra assim, então que continue a fazê-lo por longos anos – não tantos quanto isso, que os pulsos da gente não duram toda a vida. Só que o eufemismo resultante do paralelismo entre a letra e a melodia bonitinha, bem ritmada, acabam com “Thirteen”, em que a voz de Sharon Van Etten suplica por misericórdia. A sensibilidade presente no tremor da voz, nos suspiros, como quem não tem forças para sequer pronunciar uma palavra, faz desta canção um momento único nos tempos que correm.

“Two”, o single óbvio, traz Arcade Fire à memória, tanto a nível rítmico, melódico, como vocal – e a analogia até é bem-vinda tendo em conta o título do primeiro disco dos canadianos, Funeral. Ámen. Não deixa, por isso, de ser um dos temas marcantes do disco.

Poder-se-ia dizer, por outro lado, que o piano é um elemento determinante no dramatismo ou para as melodias em modo menor que compõem Hospice. Não nos limitaremos a isso. A ambiência provém sobretudo doutro lado, tem outra forma. São os sons suspirantes que polvilham todo o disco que ajudam a edificar o drama, por assim dizer. São as reverberações extremas, os falsetes de Silberman, as dissonâncias calculadas e os crescendos épicos que contribuem igualmente para o cenário sonoro da estória. E que bem tocam esta estória, os Antlers…