Mas como é que eu havia de me lembrar que ela não se chamava Carla?
Foi há uns dez anos, numa manhã de Junho, na cozinha da casa dela. Era lá que nos encontrávamos. Depois do pequeno almoço, arrumei a minha mochila de tropa pela última vez. Acendi um cigarro e fiquei a olhar para ela. Tinha o roupão meio aberto forçado a abrir pelos seus seios. Não disse nem fez nada para o evitar, nem sequer levantou os olhos da mesa para mim. Saí porta fora. Era melhor assim! Daqui a pouco haveriam de chegar homens, nos seus carros grandes, brilhantes e luminosos, para estar com ela. Ali perto havia uma curva onde o comboio abrandava. Se tudo corresse bem eu havia de conseguir saltar para um vagão e ir à minha vida...
- Nem sequer te lembras do meu nome, Jack. - dizia agora ela com a arma apontada na minha direcção.
- Como é que queres que eu me lembre. Foi há tanto tempo... - respondi-lhe, enquanto tentava afrouxar as cordas que me prendiam os pulsos atrás das costas da cadeira. A cabeça doía-me. Sentia as costas molhadas pelo sangue que escorria do local onde ela me tinha batido, mas continuei:
- Quando nos separámos nem sequer te dignaste levantar a cabeça para olhar para mim...
Ela permanecia calma:
- Eu estava desmaiada, Jack. Sedada pelo que colocaste no leite. Acordei com as sirenes e as luzes dos carros da policia a cercarem a casa. Eu passei dez anos na cadeia, Jack.
- Tu, tu... Já viste que és sempre tu? E eu? Eu saí de casa com a roupa do corpo e uma mochila às costas!
- Tu levavas dois milhões de euros na tua mochila, Jack. Deixaste-me ali sem nada...
- Não é verdade! Deixei-te um molho de notas na mesa da cozinha!
- Sim! De notas de 5 Euros com numeração sequencial que a policia associou logo ao roubo do banco. Nem sequer te preocupaste em saber o que me tinha acontecido. Nem mostras remorsos nenhuns...
- Mas que querias tu que fizesse? Que me matasse? Agora que o Benfica até tem uma equipa jeitosa!
- Nessa altura jogava o Cadete, Jack...
- Querias que me entregasse? Tu sabes o que fazem a tipos tão giros como eu na cadeia?
Ela calou-se. Notei-lhe alguma hesitação quando baixou ligeiramente a arma. Era a minha vez de falar:
- Lembras-te quando fomos a Berlim? Como nos divertimos lá?
- Nós nunca fomos a Berlim, Jack. Eu esqueci-me do passaporte. Tu passaste pela segurança, encolheste os ombros e fizeste sinal de que me ligavas quando chegasses.
- Ah, então a Carla foi aí!! Esquece... Mas já tínhamos tudo pago. Que querias que fizesse? Tu és de guardar ressentimentos, não és? Pensas que eu também não tenho razões de queixa de ti?
- Ah, sim? Quais então? Diz-me uma que seja!
- Não digo. Não vale a pena falar sobre isso que eu não sou de guardar ressentimentos...
- E daquela vez que estivemos em África, naquele safari? Quando tu fugiste com o jipe e me deixaste em frente aos leões?
- Lá vens tu com isso outra vez. O que querias que eu fizesse? Os leões eram grandes e eu não sou o Tarzan. Acabaste por te safar, não foi?
Ela baixou a arma derrotada pela clareza do meu raciocínio. Houve um silêncio.
- Queres casar comigo? - perguntei-lhe.
As mãos começaram a tremer-lhe. Gotas de suor começavam a escorrer-lhe pela testa.
- Sim, oh sim, querido!
- Ok, pronto, deixa lá! Era só para saber!
A primeira de seis balas atingiu-me na orelha. Ela sempre teve má pontaria.
5 comentários:
adoro estas histórias de romance.
Ainda pensei chamar a gaja de Jessica e calçar-lhe uns stilleto mas o Robert Rodriguez já teve essa ideia...
Decerto que a lembrança de que o Cadete um dia jogou no Benfica dói bem mais que essas seis balas.
Martin Pringle...
Não digo mais nada...
ahahahah excelente, jack. Excelente :D
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