Eram tempos duros. Dos que nos mutilam o corpo e toldam a alma. Aqueles dois homens, o Carlos e o João, trabalhavam comigo nas obras desde sempre. Tinham o rosto marcado pelos pelo sol, as mãos vincadas pelos baldes de massa, pelos tijolos como pedaços de casas e de sonhos.
Era uma Quinta-Feira. Estávamos num andaime, no sétimo andar. De repente, vi o Carlos projectar a sua perna direita para cima num ângulo superior a 120º, enquanto o seu braço esquerdo descrevia um movimento rotativo ao mesmo tempo que a sua cabeça era projectado para trás. Não consegui conter um grito de terror enquanto ele caía. Vi-o estatelar-se no chão, em baixo, com um som surdo.
- João, temos de comunicar à mulher dele -disse eu, horrorizado.
Da calma que o seus cinquenta anos lhe transmitiam ele respondeu-me:
- Não te preocupes. Eu faço isso.
E lá foi aquele homem com todo o peso do mundo às suas costas a pensar em como dizer à mulher do nosso companheiro falecido como lhe dar a notícia. Como eu o admirei, naquele momento!
Uma hora depois voltou com uma grade de cervejas.
Fiquei confuso e quis saber onde é que ele tinha arranjado aquilo.
- Foi a mulher do Carlos que ma deu -respondeu-me ele.
- Espera lá, mas foste lá dizer que o marido morreu e ela deu-te uma grade de cervejas?
- Sim. Quando ela abriu a porta perguntei-lhe se ela era a viúva do Carlos. Ela respondeu que era a mulher mas não a viúva. Então perguntei-lhe se ela queria apostar uma grade de cervejas...
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